segunda-feira, 27 de setembro de 2010

DOMINGO, 26 DE SETEMBRO DE 2010

O Comandante Jorge Briceño e os falcões da morte

por Carlos Aznárez [*]



Sempre que um revolucionário cai em combate surgem, como é de esperar, dois posicionamentos diametralmente opostos. Alguns, como o governo fascista colombiano, seu exército, sua burguesia e seus protectores e fornecedores de logística e armamento (bases militares dos EUA inclusive), festejam de modo torpe e vitoriam a morte.


Tal como aconteceu com o Che, agora voltam a exibir cadáveres, a deixá-los fotografar (por repórteres tão obscenos quanto eles), a assinar colunas "de opinião", nas quais pedem mais e mais sangue, a gerar adesões de mandatários da extrema direita latino-americana e europeia, que se somam assim ao conciliábulo de bruxos e comprazem-se com este festival sanguinolento, os desejos de "paz" das suas respectivas oligarquias. Uma "paz" que todos eles precisam para continuarem a acumular riquezas e continuar a esmagar até o limite os milhões de famintos dos seus respectivos países.


No caso do Comandante Jorge Briceño, que todo o mundo conhece como "Mono Jojoy", volta a repetir-se esta situação, com a agravante de que até ficou entre parênteses a possibilidade de que os insurgentes atacados e assassinados tenham podido cair "combatendo" no sentido literal da palavra. E dizemos isto porque o inimigo enfrentado pelas FARC e pelo ELN é o mesmo que suportam iraquianos, afegãos, palestinos e outros rebeldes deste planeta, é um inimigo covarde, rasteiro, miserável e sobretudo bestial. Para "resolver" este tipo de confrontações não apela ao corpo a corpo como em antigas e épica batalhas. Agora, este inimigo emprega toda a tecnologia militar que lhe fornecem seus protetores de Washington. Neste caso pontual, o exército de Santos utilizou na sua operação "Sodoma" nada menos que 30 aviões e cerca de 27 helicópteros artilhados que bombardearam, metralharam e massacraram tudo o que encontraram na sua passagem, fossem seres vivos ou a própria natureza que os protegia, naquela distante zona do Meta, em La Macarena. Se depois de tão descomunal ataque de surpresa alguém teve a sorte de não morrer, isso não tardou devido ao tiro de graça que lhe dispararam os covardes uniformizados do corpo de infantaria.


Cabe imaginar o quadro de horror que se verificou observando algumas das fotos que foram distribuídas sobre a destruição do acampamento pelo lado do atacante. São cenas muito parecidas ao que ocorreu no ataque impune ao acampamento do comandante Raúl Reyes, ou esta mesma semana na incursão aérea contra um núcleo combatente das FARC na zona do Putumayo.


O império hoje regozija-se anunciando que "as FARC estão derrotadas" e que só lhes resta render-se, entregar as armas e, de joelhos, aceitar o castigo que merecem por haver desafiado o poder estabelecido.

É precisamente neste ponto que não concordamos com Juan Manuel Santos, presidente da Colômbia pela graça de Obama e toda a sua corte do Pentágono imperial armamentista. As FARC e o ELN não se lançaram à montanha há meio século por puro gosto e sim porque a situação em que vivia o povo colombiano nesses anos era de total pauperização e miséria estrutural. Como bem recordam escritos do Comandante Marulanda: "quando decidimos levantar-nos em armas, o que mais nos justificava fazê-lo era ver os filhos dos camponeses morrerem aos montões por culpa da fome, enquanto seus país sofriam a impotência e a dor de não poder evitá-lo".


Alguém acredita que esta situação de pobreza e exclusão não continue a provocar estragos na Colômbia atual? Alguém pensa que a explosiva situação social que gera contínuas greves operárias e estudantis, marchas ou reuniões indígenas e protestos de todo tipo a toda largura e comprimento do território colombiano, são uma invenção da insurgência, ou simplesmente a realidade de um país no qual dez famílias apoderam-se dos 90% do que produz o grosso da população? Mas, além disso, alguém supõe que uma insurgência como a que se desenvolve na Colômbia há cinco décadas poderia haver subsistido se amplos sectores desse povo (operários, estudantes, camponeses) não lhe servissem de viveiro para continuar a gerar respostas dignas a tanto ódio e morte desencadeado pelos governos liberais e conservadores?


Equivocam-se Santos e seus sequazes quando crêem que a morte dolorosa do Comandante Briceño e de suas companheiras e companheiros assassinados vai paralisar a luta da insurgência. Quando se trata de países arrasados pela destruição que provoca o capitalismo, é claro que a morte de revolucionários causa tristeza. Cerram-se os dentes pela raiva que provoca o facto de que os melhores filhos do povo tenham que pagar com as suas vidas sua ânsia de liberdade, mas a seguir surge a digna resposta de continuar a batalha em que se empenharam seus antecessores.


Também se equivocam aqueles que, a partir de posições rebeldes mais moderadas, exigem aos que batalham que abandonem esse caminho e se integrem na "política" para não dar mais desculpas ao imperialismo na sua acção destruidora. Basta apenas recordar quantos milhares de mortos custou à insurgência adoptar esse caminho nas fileiras da União Patriótica, participar em eleições, obter excelentes resultados e a seguir contemplar com impotência como o governo de serviço amparava o paramilitarismo para assassinar os militantes eleitos. Propor tais alternativas, sem que os problemas estruturais da realidade colombiana se tenham resolvido, com um exército e um paramilitarismo em plena ebulição, com nove bases norte-americanas e milhares de assessores e tropa de combate posicionadas por todo o território, é francamente uma convocação ao suicídio. Salvo que o que se esteja buscando seja precisamente isso, a fim de potenciar um discurso tão politicamente correcto quanto ineficaz no plano estratégico. O imperialismo não distingue entre moderados, progressistas e revolucionários na hora do aniquilamento para impor seus objectivos de dominação.


O Comandante Jorge Briceño nasceu de mãe e pai guerrilheiros, viveu praticamente toda a sua vida levantado em armas e nesse andar irmanou-se a Marulanda, Jacobo Arenas, Alfonso Cano, Simón Trinidad, Sonia, Raúl Reyes, assim como Camilo Torres, o Padre Manuel Pérez, o Comandante Gabino e outros insurgentes como eles, que abandonaram todas as comodidades da vida "normal" precisamente para que milhões de pobres possam alcançar a normalidade de ter comida, tecto e terra para eles e seus descendentes.


Nem Briceño, nem Lucero Palmera, nem os que estão enterrados em vida nos cárceres tumba colombianos ou nas masmorras iaques para os quais foram extraditados, são terroristas, nem seres demoníacos ou malévolos (como gostam de caracterizá-lo os media ao serviço da repressão). São patriotas latino-americanos que algum dia serão homenageados como deve ser. Como o foram outros tão "terroristas" como eles, chamados Tupac Amaru, Bartolina Sisa, Manuela Sáenz, Martí, Bolívar, Sandino, Mandela, Farabundo Martí, Sendic, Ernesto Guevara, Camilo Cienfuegos, Inti Peredo, Filiberto Ojeda, Miguel Enríquez…


Nesse momento, talvez não tão longínquo, seus exemplos de entrega e sacrifício estarão acima de todo o veneno vertido contra eles por aqueles que praticam hoje o Terrorismo de Estado ou massacram nossos povos.

Finalmente, basta só desejar que vozes exemplares como as da senadora Piedad Córdoba, mulher íntegra e valente, sejam escutadas. Ela, apelado a toda lógica, sabe que a única solução para um conflito político e armado é a negociação entre as partes. Sabe também que a insurgência não é o problema, como já o demonstrou no Caguán. O obstáculo são os falcões da morte. Enquanto a sua doutrina continuar a ser "a solução militar", que não haja dúvidas: continuará a haver luta.


[*] Jornalista, Director do Resumen Latinomericano

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

JORNAL
Como calar e intimidar a imprensa

Por Luiz Cláudio Cunha em 31/8/2010

"Quando o mal é mais audacioso, o bem precisa ser mais corajoso." (Pierre Chesnelong, 1820-1894, político francês

Agosto, mês de cachorro louco, marcou o décimo ano da mais longa e infame ação na Justiça brasileira contra a liberdade de expressão.

É movida pela família do ex-governador Germano Rigotto, 60 anos, agora candidato ao Senado pelo PMDB do Rio Grande do Sul e supostamente alheio ao processo aberto em 2001 por sua mãe, dona Julieta, hoje com 89 anos. A família atacou em duas frentes, indignada com uma reportagem de quatro páginas, publicada em maio daquele ano em um pequeno mensário (tiragem de 5 mil exemplares) de Porto Alegre, o JÁ, que jogava luzes sobre a maior fraude da história gaúcha e repercutia o envolvimento de Lindomar Rigotto, filho de Julieta e irmão de Germano.

Uma ação, cível, cobrava indenização da editora por dano moral. A outra, por injúria, calúnia e difamação, punia o editor do e autor da reportagem, Elmar Bones da Costa, hoje com 66 anos. O jornalista foi absolvido em todas as instâncias, apesar dos recursos da família Rigotto, e o processo pelo Código Penal foi arquivado. Mas, em 2003, Bones acabou sendo condenado na área cível ao pagamento de uma indenização de R$ 17 mil. Em agosto de 2005 a Justiça determinou a penhora dos bens da empresa. O ofereceu o seu acervo de livros, cerca de 15 mil exemplares, mas o juiz não aceitou. Em agosto de 2009, sempre agosto, quando a pena ascendera a quase R$ 55 mil, a Justiça nomeou um perito para bloquear 20% da receita bruta de um jornal comunitário quase moribundo, sem anúncios e reduzido a uma redação virtual que um dia teve 22 jornalistas e hoje se resume a dois – Bones e Patrícia Marini, sua companheira. Cinco meses depois, o perito foi embora com os bolsos vazios, penalizado diante da flagrante indigência financeira da editora.

Até que, na semana passada, no maldito agosto de 2010, a família de Germano Rigotto saboreou mais um giro no inacreditável garrote judicial que asfixia o jornal e seu editor desde o início do Século 21: o juiz Roberto Carvalho Fraga, da 15ª Vara Cível de Porto Alegre, autorizou o bloqueio online das contas bancárias pessoais de Elmar Bones e seu sócio minoritário, o também jornalista Kenny Braga. Assim, depois do cerco judicial que está matando a editora, a família Rigotto assume o risco deliberado de submeter dois dos jornalistas mais conhecidos do Rio Grande ao vexame da inanição, privados dos recursos essenciais à subsistência de qualquer ser humano.

O personagem de Scorsese

Afinal, qual o odioso crime praticado pelo e por Elmar Bones que possa justificar tanta ira, tanta vindita, ao longo de tanto tempo, pelo bilioso clã Rigotto? O pecado do jornal e seu editor só pode ter sido o jornalismo de primeira qualidade, ousado e corajoso, que lhe conferiu em 2001 os prêmios Esso Regional e ARI (Associação Riograndense de Imprensa), os principais da categoria no sul do país, pela reportagem "Caso Rigotto – Um golpe de US$ 65 milhões e duas mortes não esclarecidas".

A primeira morte era a de uma garota de programa, Andréa Viviane Catarina, 24 anos, que despencou nua do 14º andar de um prédio na Rua Duque de Caxias, no centro da capital gaúcha, no fim da tarde de 29 de setembro de 1998. O dono do apartamento, Lindomar Rigotto, estava lá na hora da queda. Ele contou à polícia que a garota tinha bebido uísque e ingerido cocaína. Nenhum vestígio de álcool ou droga foi confirmado nos exames de sangue coletados pela criminalística. O laudo da necropsia diz que a vítima mostrava três lesões – duas nas costas, uma no rosto – que não tinham relação com a queda. Ela estava ferida antes de cair, o que indicava que houve luta no apartamento. Um teste do Instituto de Criminalística indicou que o corpo de Andréa recebeu um impulso no início da queda.

No relatório que fez após ouvir Rigotto, o delegado Cláudio Barbedo, um dos mais experientes da polícia gaúcha, achou relevante anotar: "[Lindomar] depôs sorrindo, senhor de si, falando como se estivesse proferindo uma conferência". Os repórteres que o viram chegar para depor, no dia 12 de novembro, disseram que ele parecia "um personagem de Martin Scorsese", famoso pelos filmes sobre a Máfia: Lindomar usava óculos escuros, terno azul marinho, calça com bainha italiana, camisa azul, gravata colorida e gel nos cabelos compridos. O figurino não impressionou o delegado, que incluiu na denúncia o depoimento de uma testemunha informando que Lindomar era conhecido como "usuário e traficante de cocaína" na noite que ele frequentava – por prazer e ofício – como dono do Ibiza Club, uma rede de quatro casas noturnas que agitavam as madrugadas no litoral do Rio Grande e Santa Catarina. Em dezembro, o delegado Barbedo concluiu o inquérito, denunciando Lindomar Rigotto por homicídio culposo e omissão de socorro.

Lindomar só não sentou no banco dos réus porque teve também uma morte violenta, 142 dias após a de Andréa. Na manhã de 17 de fevereiro, ele fechava o balanço da última noite do Carnaval de 1999, que levou sete mil foliões ao salão do Ibiza da praia de Atlântida, a casa mais badalada do litoral gaúcho. Cinco homens armados irromperam no local e roubaram a féria da noitada. Lindomar saiu em perseguição ao carro dos assaltantes. Emparelhou com eles na praia vizinha, Xangrilá, a três quilômetros do Ibiza. Um assaltante botou a arma para fora e disparou uma única vez. Lindomar morreu a caminho do hospital, com um tiro acima do olho direito. Tinha 47 anos.

O choque de Dilma

A trepidante carreira de Lindomar Rigotto sofrera um forte solavanco dez anos antes, com seu envolvimento na maior fraude da história gaúcha: a licitação manipulada de 11 subestações da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), uma tungada em valores corrigidos de aproximadamente R$ 840 milhões – 21 vezes maiores do que o escândalo do Detran que submeteu a governadora Yeda Crusius a um pedido de impeachment, quase três vezes mais do que os desvios atribuídos ao clã Maluf em São Paulo, quinze vezes maior do que o total contabilizado pelo Supremo Tribunal Federal para denunciar a "quadrilha dos 40" do mensalão do governo Lula.

Afundada em dívidas, a estatal gaúcha de energia tinha dificuldades para captar os US$ 141 milhões necessários para as subestações que gerariam 500 mil quilowatts para 51 pequenas e médias cidades do Rio Grande. Preocupado com a situação pré-falimentar da empresa, o então governador Pedro Simon (PMDB) tinha exigido austeridade total.

Até que, em março de 1987, inventou-se o cargo de "assistente da diretoria financeira" para acomodar Lindomar, irmão do líder do Governo Simon na Assembléia, o deputado caxiense Germano Rigotto. "Era um pleito político da base do PMDB em Caxias do Sul", confessaria depois o secretário de Minas e Energia, Alcides Saldanha. Mais explícito, um assessor de Saldanha reforçou a paternidade ao : "Houve resistência ao seu nome [Lindomar], mas o irmão [Germano] exigiu".

Com a chegada de Lindomar, as negociações com os dois consórcios das obras, que se arrastavam há meses, foram agilizadas em apenas oito dias. Logo após a assinatura dos contratos, os pagamentos foram antecipados, contrariando as normas estritas baixadas por Simon para evitar curtos-circuitos contábeis na CEEE. Três meses depois, a empresa foi obrigada a um empréstimo de US$ 50 milhões do Banco do Brasil, captado pela agência de Nassau, no paraíso fiscal das Bahamas. Uma apuração da área técnica da CEEE detectou graves problemas: documentos adulterados, folhas numeradas a lápis, licitação sem laudo comprovando a necessidade da obra. A sindicância da estatal propôs a revisão dos contratos, mas nada foi feito. A recomendação chegou ao governo seguinte, o de Alceu Collares (PDT), e à sucessora de Saldanha na pasta das Minas e Energia, uma economista chamada Dilma Rousseff. "Eu nunca tinha visto nada igual", diria ela, chocada com o que leu.

Dilma só não botou o dedo na tomada porque o PDT de Collares precisava dos votos do PMDB de Rigotto para ter maioria na Assembléia. Para evitar o risco de queimaduras, Dilma, às vésperas de deixar a secretaria, em dezembro de 1994, teve o cuidado de mandar aquela papelada de alta voltagem para a Contadoria e Auditoria Geral do Estado (CAGE), que começou a rastrear a CEEE com auditores do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e do Ministério Público. Dependendo do câmbio, o tamanho da fraude constatada era sempre eletrizante: US$ 65 milhões, segundo o CAGE, ou R$ 78,9 milhões, de acordo com o Ministério Público.

A denúncia energizou a criação de uma CPI na Assembléia, proposta pelo deputado Vieira da Cunha, líder da bancada do PDT em 2008 na Câmara Federal. Vinte e cinco auditores quebraram sigilos bancários e fiscais. Lindomar Rigotto foi apontado em 13 depoimentos como figura central do esquema, acusação reforçada pelo chefe dele na CEEE, o diretor-financeiro Silvino Marcon. A CPI constatou que os vencedores da licitação, gerenciados por Rigotto, apresentavam propostas "em combinação e, talvez, até ao mesmo tempo e pelas mesmas pessoas". O relatório final lembrava: "É forçoso concluir pela existência de conluio entre as empresas interessadas que, se organizando através de consórcios, acertaram a divisão das obras entre si, fraudando dessa forma a licitação". O foi mais didático: "Apurados os vencedores, constatou-se que o consórcio Sulino venceu todas as subestações do grupo B2 e nenhuma do B1. Em compensação, o Conesul venceu todas as obras do B1 e nenhuma do B1. A diferença entre as propostas dos dois consórcios é de apenas 1,4%".

O aval de Dulce

A quebra do sigilo bancário de Lindomar revelou um crédito em sua conta de R$ 1,17 milhão, de fonte não esclarecida. O relatório final da CPI caiu na mão de um parlamentar do PT, o também caxiense Pepe Vargas, primo de Lindomar e Germano Vargas Rigotto. Apesar do parentesco, o primo Pepe, hoje deputado federal, foi inclemente na sua acusação final: "De tudo o que se apurou, tem-se como comprovada a prática de corrupção passiva e enriquecimento ilícito de Lindomar Vargas Rigotto". Além dele, a CPI indiciou outras 12 pessoas e 11 empresas, botando no mesmo balaio nomes vistosos como Camargo Corrêa, Alstom, Brown Boveri, Coemsa, Sultepa e Lorenzetti. No final de 1996, a Assembléia remeteu as 260 caixas de papelão da CPI ao Ministério Público, de onde nasceu o processo n° 011960058232 da 2ª Vara Cível da Fazenda Pública em Porto Alegre. Os autos somam 30 volumes e 80 anexos e mofam ainda na primeira instância do Judiciário, protegidos por um inacreditável "segredo de justiça". Em fevereiro próximo, o Rio Grande do Sul poderá comemorar os 15 anos de completo sigilo sobre a maior fraude de sua história.

Esta incrível saga de resistência e agonia do e de Bones provocada pela família Rigotto foi contada, em primeira mão, neste Observatório, em 24 de novembro de 2009 ("O jornal que ousou contar a verdade"). No dia seguinte, uma quarta-feira, Rigotto telefonou de Porto Alegre para reclamar ao autor que assina aquele e este texto.

– Isso ficou muito ruim pra mim, Luiz Cláudio, pois o Observatório é um formador de opinião, muito lido e respeitado. Ficou parecendo que eu estou querendo fechar um jornal. Eu não tenho nada a ver com isso. O processo é coisa da minha mãe. Foi a minha irmã, Dulce, que me disse que a reportagem era muito pesada, irresponsável. Eu nem conheço este jornal, este jornalista...

– Rigotto, a dona Julieta não é candidata a nada. O candidato és tu. A reportagem do tem implicações políticas que batem em ti, não na tua mãe. E acho muito estranho que, passados oito anos, tu ainda não tiveste a curiosidade de ler a reportagem que tanta aflição provoca na dona Julieta. Se tu estás te baseando na avaliação da Dulce, devo te alertar que ela não entende xongas de jornalismo, Rigotto! Esta matéria do Bones é precisa, calcada em fatos, relatórios, documentos e conclusões da CPI e do Ministério Público que incriminam o teu irmão. Não tem opinião, só informação. O teu processo...

– Não é meu, não é meu... É da minha mãe...

– Isso é o que diz também o Sarney, Rigotto, quando perguntam a ele sobre a censura que cala O Estado de S.Paulo. "Isso é coisa do meu filho, o Fernando"...

– Eu fico muito ofendido com esta comparação! Eu não sou o Sarney, não sou!...

– Lamento, mas estás usando a mesma desculpa do Sarney, Rigotto.

– Luiz Cláudio, como resolver isso tudo com o Bones? A gente pode parcelar a dívida e aí...

– Rigotto, tu não estás entendendo nada. O Bones não quer parcelar, não quer pagar um único centavo. Isso seria uma confissão de culpa, e ele não fez nada errado. Pelo contrário. Produziu uma reportagem impecável, que ganhou os maiores prêmios. Eu assinaria essa matéria, com o maior orgulho. Sai dessa, Rigotto!

Coincidência ou não, um dia depois do telefonema, na quinta-feira, 26, Rigotto convocou uma inesperada coletiva de imprensa em Porto Alegre para anunciar sua retirada como possível candidato ao Palácio Piratini, deixando o espaço livre para o prefeito José Fogaça.

O modelo de Roosevelt

Naquela mesma quarta-feira, 25 de novembro, a emenda ficou pior que o soneto. O advogado dos Rigotto, Elói José Thomas Filho, botou no papel aquela mesma proposta indecente que ouvi do próprio Germano Rigotto, confirmando por escrito ao editor a idéia de parcelar a indenização devida de R$ 55 mil em 100 (cem) módicas prestações. Diante da altiva recusa de Bones, o advogado pareceu incorporar a doutrina do big stick de Theodore Ted Roosevelt (1901-1909), popularmente conhecida como "lei do tacape" e inspirada pela frase favorita do belicoso presidente estadunidense: "Fale com suavidade e tenha na mão um grande porrete". O suave advogado Thomas Filho escreveu então para Bones: "... em nova demonstração de boa-fé, formalizamos nossa intenção em compor amigavelmente o litígio acima, bem como a possibilidade [sic] de nos abstermos de ajuizar novas demandas judiciais...".

Certamente para tranquilizar o filho candidato, o advogado reafirmava na carta a Bones que a ação contra o jornal era movida "unicamente" por dona Julieta, que buscava na justiça o ressarcimento pelo "abalo moral" provocado pela reportagem do, que misturava "irresponsavelmente três fatos diversos que envolveram a figura do falecido". Ou seja, dona Julieta Rigotto, que entende de jornalismo tanto quanto os filhos Dulce e Germano, não consegue perceber a obviedade linear de uma pauta irresistível para qualquer repórter inteligente: o objetivo relato jornalístico sobre um homem público – Lindomar – morto num assalto pouco antes de ser julgado pelo homicídio culposo de uma prostituta e pouco depois de ser denunciado no relatório de uma CPI, redigido pelo primo deputado, pela prática comprovada de "corrupção passiva e enriquecimento ilícito" na maior fraude já cometida contra os cofres públicos do Rio Grande do Sul. Mas, na lógica simplória da mãe dos Rigotto, uma coisa não tem nada a ver com a outra...

Para garantir o tom "amigável" entre as partes, o advogado de dona Julieta propôs a Bones os termos de uma retratação pública, suave como um porrete, enfatizando três pontos:

1. "Dona Julieta nunca teve a intenção de fechar o jornal";

2. "a ação não é promovida pela família Rigotto, mas apenas por dona Julieta";

3. "retirar o jornal de circulação, para estancar a propagação do dano".

Tudo isso, incluindo o ameno confisco de um jornal das bancas em pleno regime democrático, segundo o tortuoso raciocínio do advogado, serviria para "tutelar a honra e a imagem de seu falecido filho". Neste longo, patético episódio, que intercala demonstrações de coragem e altivez com cenas de pura violência, fina hipocrisia ou corrupção explícita, ficou pelo caminho o contraste de atitudes que elevam ou rebaixam. Diante da primeira ação criminal de dona Julieta na Justiça, o promotor Ubaldo Alexandre Licks Flores ensinou, em novembro de 2002:

"[não houve] qualquer intenção de ofensa à honra do falecido Lindomar Rigotto. Por outro lado, é indiscutível que os três temas [a CEEE e as duas mortes] estavam e ainda estão impregnados de interesse público".

O orgulho de Enedina

Apesar da lucidez do promotor, o caso tonitruante da CEEE não ecoa nos ouvidos surdos da imprensa gaúcha, conhecida no país pela acuidade de profissionais talentosos, criativos, corajosos. Nenhum grande jornal do sul – Zero Hora, Correio do Povo, Jornal do Comércio, O Sul –, nenhum colunista de peso, nenhum editorialista, nenhum blog de prestígio perdeu tempo ou tinta com esse tema, que nem de longe parece um assunto velho, batido ou nostálgico. O que lhe dá notória atualidade não é o ancestral confronto entre a liberdade de expressão e a prepotência envergonhada dos eventuais poderosos de plantão, mas a reaparição de seus principais personagens no turbilhão da corrida eleitoral de 2010.

Germano Rigotto, o líder governista que emplacou o filho de dona Julieta na máquina estatal, é hoje o candidato do maior partido gaúcho ao Senado Federal. A ex-secretária Dilma Rousseff, que ficou estarrecida com o que leu sobre as fraudes de Lindomar Rigotto na CEEE, é apontada pelas pesquisas como a futura presidente do Brasil, numa vitória classificada pelo renomado jornal inglês Financial Times como "retumbante". Tarso Genro, o ex-comandante supremo da Polícia Federal, que executou as maiores operações contra corruptos da máquina pública, lidera a corrida ao governo gaúcho e, certamente, tem os instrumentos para saber hoje o que Dilma sabe desde 1990. O primo Pepe Vargas, que mostrou isenção e coragem no relatório da CPI sobre a maior fraude da história do Rio Grande, é candidato à reeleição, assim como o deputado federal que inventou a CPI, Vieira da Cunha.

É a lógica perversa do interesse eleitoral que explica o desinteresse até dos principais adversários de Rigotto na disputa pelo Senado. O candidato do PMDB está emparedado entre a líder na pesquisa da Datafolha, a jornalista Ana Amélia Lemos (PP) – que subiu de 33% em julho para 44% na semana passada – e o candidato à reeleição pelo PT, senador Paulo Paim – que cresceu de 35% no início do mês para 38% agora. Rigotto caiu de 43% para 42% no espaço de três semanas. Na Região Metropolitana de Porto Alegre, Ana Amélia bate Rigotto por 47% a 39%. Seus oponentes desprezam o potencial explosivo do "Caso CEEE" porque todos sonham em ganhar o segundo voto dos outros candidatos, o que justifica a calculada misericórdia e o piedoso silêncio que modera a estratégia de adversários historicamente tão diferentes e hostis como são, no Rio Grande do Sul, o PT, o PMDB e o PP.

O que é recato na política se transforma em omissão nas entidades que, ao longo do tempo, marcaram suas vidas na luta pela democracia e pela liberdade de expressão e no repúdio veemente à ditadura e à censura. Siglas notáveis como OAB, ABI, SIP, Fenaj e Abraji brilham pelo silêncio, pela omissão, pelo desinteresse ou pelo trato burocrático do caso vs. Rigotto, que resume uma questão crucial na vida de todas elas e de todos nós: a livre opinião e o combate à prepotência dos grandes sobre os pequenos, apanágio de toda democracia que se respeita.

A OAB e seus advogados, no Rio Grande ou no Brasil, que impulsionaram a queda de um presidente envolvido em denúncias de corrupção, não se sensibilizam pela sorte de um pequeno jornal e seu bravo editor, punidos por seu desassombrado jornalismo e mortalmente asfixiados pelo cerco econômico surpreendentemente avalizado pela Justiça, que deveria proteger os fracos contra os fortes – e não o contrário.

A inerte Associação Brasileira de Imprensa jamais se pronunciou sobre as agruras de Bones e seu jornal. Só em setembro de 2009, um mês após a denúncia sobre o bloqueio judicial das receitas do , é que a Fenaj e o Sindicato dos Jornalistas do RS trataram de fazer alguma coisa: uma nota gelada, descartável, manifestando solidariedade à vítima e lamentando a decisão "equivocada" da Justiça. A Associação Riograndense de Imprensa, que em 2001 conferiu à reportagem contestada do o seu maior prêmio jornalístico, só quebrou o seu constrangedor silêncio ao ser cobrada publicamente por este Observatório, em novembro passado. Todos os membros da brava Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo têm a obrigação de conhecer a biografia de Elmar Bones, que nos anos de chumbo pilotou o CooJornal, um mensário da extinta Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre (1976-1983) que virou referência da imprensa nanica que resistia à ditadura.

Bones chegou a ser preso, em 1980, pela publicação de um relatório secreto em que o Exército fazia uma autocrítica sobre as bobagens cometidas na repressão à guerrilha do Araguaia. Algo mais perigoso, na época, do que falar na roubalheira operada pelo filho de dona Julieta na CEEE... No site da Abraji, a entidade emite sua opinião em quatro notas, nos últimos dois anos. Critica o sigilo eterno de documentos públicos, defende o seguro de vida para repórteres em zona de risco, repudia um tapa na cara que uma repórter de TV do Centro-Oeste levou de um vereador e, enfim, faz uma vigorosa, firme, veemente manifestação a favor da liberdade de expressão... no México. Ao pobre e seu editor, lá no sul do Brasil, nenhuma linha, nada.

A poderosa Sociedade Interamericana de Imprensa, que reúne os maiores veículos das três Américas, patrocina uma influente Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação, hoje sob a presidência de um jornal do Texas, o San Antonio Express News. Entre os 26 vice-presidentes regionais, existem dois brasileiros: Sidnei Basile, do Grupo Abril, e Maria Judith de Brito, da Folha de S.Paulo. Envolvidos com os graves problemas da Paulicéia, eles provavelmente não podem atentar para o drama vivido por um pequeno jornal de Porto Alegre. Mas, existem outros 17 membros na Comissão de Liberdade da SIP, e dois deles bem próximos do drama de Bones: os gaúchos Mário Gusmão e Gustavo Ick, do jornal NH, de Novo Hamburgo, cidade a 40 km da capital gaúcha. Nem essa proximidade livra as aflições do e seu editor do completo desdém da SIP.

Este monumental cone de silêncio e omissão, que atravessa fronteiras e biografias, continua desafiando a sensibilidade e a competência de jornais e jornalistas, que deveriam se perguntar o que existe por trás do amaldiçoado caso da CEEE, que afugenta em vez de atrair a imprensa. A maior fraude da história do Rio Grande, mais do que uma bomba, é uma pauta em aberto, origem talvez da irritação dos Rigotto contra o editor e o jornal que ousaram jogar luz nessa história mal contada. Os volumes empoeirados deste megaescândalo continuam intocados nas estantes da Justiça em Porto Alegre, protegido por um sigilo inexplicável que só pode ser útil a quem mente e a quem rouba, não a quem luta pela verdade e a quem é ético na política, como fazem os bons repórteres e como devem ser os bons políticos.

O bom jornalismo não é aquele que produz boas respostas, mas aquele que faz as boas perguntas – e as perguntas são ainda melhores quando incomodam, quando importunam, quando constrangem, quando afligem os consolados e quando consolam os aflitos.

A emoção é a última fronteira de quem perde os limites da razão. Elmar Bones tinha ganhado todas as instâncias do processo criminal, quando um juiz do Tribunal de Justiça, na falta de melhores argumentos, preferiu se assentar nos autos impalpáveis do sentimento para decidir em favor da mãe de Germano Rigotto:

"Não há como afastar a responsabilidade da ré pelas matérias veiculadas, que atingiram negativamente a memória do falecido, o que certamente causou tristeza, angústia e sofrimento à mãe do mesmo (...)".

Dona Julieta Rigotto, viva e forte aos 89 anos, ainda sofre com a honra e a imagem maculadas de seu falecido filho, Lindomar.

Dona Enedina Bones da Costa tinha 79 anos quando morreu, em 2001, poupada assim da tristeza, angústia e sofrimento que sentiria ao ver o drama vivido agora por seu filho, Elmar. Mas ela teria, com certeza, um enorme, um insuperável orgulho pelo filho honrado e corajoso que trouxe ao mundo e ao jornalismo.

DE:http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=605IMQ011

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Breve análise da conjuntura por conta das eleições

Elaine Tavares

Analisar os oito anos do governo Lula é imprescindível para entender o favoritismo da Dilma neste quadro eleitoral

08/09/201

Elaine Tavares

Analisar os oito anos do governo Lula é imprescindível para entender o favoritismo da Dilma neste quadro eleitoral. Para os servidores públicos do campo da educação, isso ainda é mais necessário, uma vez que têm amargado um sindicalismo apático (principalmente a Federação), no mais das vezes apoiando as propostas governamentais para o país e para a educação em geral. Assim, gostaria de levantar alguns elementos que dizem respeito aos trabalhadores públicos das IFES, e também ao povo em geral.

O governo Lula não foi o melhor dos governos. Nem de longe representou aquele pelo qual muito dos trabalhadores, inclusive, lutaram. Poucos meses depois de assumir, foi nos servidores públicos o primeiro golpe, com a Reforma da Previdência, que jogou a vida de todos no buraco, aumentado a idade para a aposentadoria e retirando a paridade no salário. Naquele ano, em 2003, apesar de toda a perplexidade que a proposta de reforma gerou, os servidores foram à greve. Mas este momento foi também um divisor de águas na categoria.

Como o governo estava muito recente e muitos dos trabalhadores das IFES tinham apostado suas fichas no tabuleiro eleitoral, com o voto no Lula, houve uma natural ruptura na categoria. As assembleias deixavam isso bem claro. Havia uma pequena parte que fazia a crítica pesada ao governo e uma outra parte – a maioria – que acreditava que se a proposta vinha do “companheiro” Lula não poderia ser tão ruim. Foi quando a categoria dos trabalhadores públicos passou a viver uma clivagem que até agora perdura: os governistas e os não-governistas. E foi a maioria lulista que levou os trabalhadores das IFES a saírem da greve, que tinha sido deflagrada contra a reforma da Previdência e terminava de maneira abrupta com uma proposta de lei salarial. Completa loucura.

Conhecendo muito bem por onde se movem os trabalhadores, o governo Lula acenou com uma proposta que chamou de “carreira”, garantindo aumentos sucessivos até 2010. Foi uma jogada de mestre. Apostando no simbólico da “carreira” (por anos esperada) e garantindo ganhos maiores aos trabalhadores de nível superior, o governo conseguiu acabar com a greve e ainda dividir a categoria, fazendo com que as lutas se fragmentassem e perdessem força. A maioria aceitou a proposta e uma lei com nova tabela salarial foi aceita, com todos os buracos que parte dos trabalhadores já havia denunciado. A lei não apresentava uma carreira de verdade, provocava a divisão da categoria, aumentos diferenciados, problemas com os aposentados, problemas de enquadramento, cargos extintos, falta de racionalização, e outros tantos problemas. Nada adiantaram as denúncias e os avisos. Os sindicatos foram aprovando a proposta e a lei passou a vigorar em 2004.

De lá para cá, no que diz respeito a salário, os trabalhadores não podem se queixar. Houve mudanças significativas, principalmente para os de nível superior que, em alguns casos, praticamente dobraram o vencimento. Nos outros níveis também aconteceram melhorias, muitas delas alavancadas pelo processo de capacitação que teve início em todas as universidades. No que diz respeito às condições de trabalho também teve avanços. O dinheiro jorrou nas universidades, quem pode negar? Vieram as verbas para novos prédios, melhorias nos laboratórios, nas coordenadorias. Aconteceram até concursos para novos trabalhadores, aliviando a terrível carga que se configurava por longos anos. É claro que não resolveu a histórica defasagem e ainda são os trabalhadores das universidades os que recebem os menores salários da esfera federal. Mas, que melhorou, não há dúvidas. O fato de ainda não haver carreira, de muitos trabalhadores estarem enquadrados de maneira injusta, de cargos terem sido extintos e dos aposentados terem sido prejudicados parece não importar muito aos que tiveram ganhos. E isso é típico destes tempos de individualismo e egoísmo. Na cidade onde moro um velho ditado mostra a lógica do capital: “farinha pouca, meu pirão primeiro”.

Na área da educação superior, o governo Lula criou 14 novas universidades, ampliou as existentes com a expansão de novos campi e ainda criou o Prouni, fato que conseguiu colocar meio milhão de jovens empobrecidos, através de bolsas, nas universidades privadas. Para quem está dentro do processo fica fácil observar as debilidades desta expansão: universidades sem condições estruturais, expansão sem trabalhadores e sem condições de trabalho, e dinheiro público indo para a iniciativa privada. Mas, por mais que se tente, fica muito difícil dizer a uma mãe de um garoto que conquistou a vaga via Prouni, que a universidade que ele está fazendo não é boa e que não vai acrescentar qualidade a sua vida. Ninguém quer saber. O filho está na faculdade e, isso, simbolicamente, tem uma importância tremenda. Se o dinheiro público está migrando para a iniciativa privada, o que é que tem? Isso não é fácil de explicar.

Na política econômica Lula foi pragmático e apostou na idéia de crescimento econômico aos moldes do desenvolvimento do subdesenvolvimento. Aplicou as velhas receitas de juros altos, superávit primário e controle da inflação. Aumentou as exportações e no prazo de dois anos já havia conseguido índices de crescimento econômico. Depois, ampliou o crédito, fazendo com que o consumo aquecesse sem que houvesse explosão. Para os trabalhadores, em vez de salário, abriu a possibilidade do crédito consignado, o que permitiu à classe média as compras tão sonhadas como o carro novo, a televisão de LCD, e a reforma da casa. De quebra, garantiu lucros estratosféricos aos bancos. Mas, para os que conseguem agora ter o que a pedagogia do consumo lhes impõe, que mal tem alguns ganharem com isso? Não é assim no capitalismo? Para os trabalhadores empobrecidos Lula elevou o salário mínimo de 64 para 219 dólares, chegando, em reais, a mais de 500, coisa também considerada estupenda. Ninguém se lembra que o salário mínimo já teve momentos melhores.

No campo social as políticas de transferências de renda foram as mais bem sucedidas em termos de aceitação popular. O Programa Bolsa Família (PBF) garantiu renda mensal de 70 a 140 reais a pessoas que nunca tiveram acesso a nada. O programa Fome Zero permitiu que a comida chegasse à mesa de milhões de pessoas. O Benefício de Prestação Continuada de Assistência Social (BPC) garantiu o pagamento de um salário mínimo mensal para as pessoas com 65 anos de idade ou mais e as pessoas com deficiência incapacitante para a vida independente e para o trabalho. É certo que estes programas não constituem possibilidade de emancipação para os envolvidos, mas como dizer que não é bom o fato de todo esse povo (mais de 40 milhões) ter renda e comida?

O governo Lula criou o PAC, Programa de Aceleração do Crescimento que colocou obras em quase todos os lugares do país. Estradas, hospitais, saneamento, enfim... É o progresso chegando, dizem. Que mal há se, nesse ínterim, as empreiteiras estejam enchendo suas burras, muitas vezes em obras absolutamente desnecessárias e ineficazes? Um exemplo aconteceu na cidade de Florianópolis quando, depois de uma ressaca que derrubou a casa de várias famílias que estavam em área irregular, na beira do mar, o dinheiro do PAC garantiu um muro de contenção que mais destruiu a praia que a salvou. Ou ainda a gigantesca obra de saneamento que pretende colocar um emissário no mar, fazendo escorrer todo o esgoto da ilha numa única praia, acabando com a vida e a beleza natural. É o progresso, mas para quem? Na cantilena da modernidade isso parece que muito pouco importa.

No campo da energia o governo de Lula reativou o Pró-álcool, investiu no biodiesel e ainda descobriu o pré-sal, que pode tornar o país autossuficiente em petróleo. Tudo isso é explorado como coisa boa, como progresso e desenvolvimento. Para quem estava acostumado a ver o país sempre na rabeira do mundo capitalista, isso soa como uma maravilha. Ninguém se importa se o biodiesel acaba com a plantação de comida, ou se o petróleo é o principal poluidor e destruidor planetário. O que aparece, e a mídia insiste em proclamar, é que o país ficará mais rico, mais moderno e, com isso, todos vão crescer. Difícil tarefa desenredar esse novelo. Alguém vai crescer, é certo, mas serão todos em igual medida?

Assim, diante de tantos dados promissores, como discutir com a população e os trabalhadores sobre os pactos que levam o governo a estas ações? Como falar das alianças espúrias com partidos que até ontem eram inimigos ferozes do PT? Se o Brasil está indo bem, quem se importa se o PT está igual ao PSBD, se faz aliança com Collor ou com os bispos da rede Record? A coisa está indo, estamos crescendo, é assim que a maioria pensa, ajudada pela lavagem cerebral televisiva. Fatos como a ocupação das comunidades pobres pelo narcotráfico, a violência da polícia, o crescimento do uso do crack, a marginalidade, a violência, são vistos como falhas no sistema, patologias, doenças, que podem ser curadas com um bom remédio, como, por exemplo, a polícia bem armada, os presídios mais seguros, os muros mais altos.

Não é sem razão que os que têm feito a crítica ao governo Lula não conseguem quebrar essa barreira de aparente bem estar. É difícil mesmo. Diante da possibilidade de estar em boa situação na sociedade do consumo, coisas como a aprovação dos transgênicos, a construção irracional de mega barragens, ou a má qualidade no ensino soam como bobagens. Daí a incapacidade de tocar o coração e a mente da sociedade com estas demandas. Porque, afinal, o que baliza essas reivindicações é a vontade de constituir um outro tipo de estado. Há um povo que não quer só mais justiça, mais democracia, menos fome. Essa gente quer justiça plena, democracia participativa, corpos saciados. Todos e não só alguns. Mas, diante do que chamam de “mundo possível” estas demandas aparecem como utopias, sonhos bobos de quem não reconhece a beleza da realidade possível.

Assim, chegamos às eleições com esse cenário. Um governo que apostou na melhoria da vida de alguns, quase dentro da lógica do caminhar para um estado de bem estar social, mas sem a inclusão de todos. É um governo social-democrata, que se utiliza de receitas neoliberais, que pratica o paternalismo histórico e que não mexeu absolutamente nada nas questões estruturais. Mas, numa olhada rápida, a vida das gentes melhorou. E o duro é que na comparação com a desgraça que foi o governo FHC, melhorou mesmo. É inegável!

E é aí, nesse cenário que, para os trabalhadores das universidades, e para os demais igualmente, se impõe uma questão vital: que tipo de estado se quer? Que tipo de universidade?

Se a meta é a sociedade do consumo, se o que se almeja é melhorar o posicionamento na escala social, com uma boa casa, um bom carro e um bom plano de saúde, há que apostar nesse projeto que está aí. Que, apesar de aumentar de maneira impressionante a barreira entre os mais ricos e os mais pobres, consegue garantir que boa parte da sociedade esteja entre os “consumidores” em potencial. Um projeto que cria e expande universidades, mas não lhe garante qualidade. Que as coloca na lógica da reprodução colonizada e que não lhes permite a criação do novo. Que aposta na divisão da classe trabalhadora para melhor governar.

Mas, se a meta é a de uma sociedade realmente justa, solidária, cooperativa e socialista este projeto não basta. Ele não é suficiente. Porque se, afinal, a classe média aumentou, ainda restam milhões de pessoas que lutam por vida digna. E, numa proposta de social-democracia, de manutenção do projeto capitalista que mantém o país sempre como periferia do sistema, não há lugar para estes sonhos. Daí ser necessário continuar lutando para a construção de uma outra maneira de organizar a vida. Não é coisa fácil nestes tempos em que tudo parece estar bem. Mas, quem consegue enxergar além do véu da bonança subdesenvolvimentista, não pode esmorecer.

Pode ser difícil insistir em gritar a todo mundo que este ainda não é o melhor dos mundos, que há povos indígenas sendo massacrados, perdendo suas terras, que há camponeses sendo assassinados por conta da violência do latifúndio, que há quilômetros de terras sendo inundados por barragens ineficazes, que há milhões de crianças morrendo nas favelas por conta deste modelo de desenvolvimento, enfim... tantas mazelas... Mas, se realmente se quer um mundo de justiça, não dá para esmorecer. O tempo pode ser de apatia, de aceitação, de estupor. Ainda assim é preciso se manter firmes, gritando, como um profeta maldito. Mas, mais do gritar, há de organizar as gentes, criar núcleos, estudar, desvelar a realidade, para que as pessoas por si mesmas possam ver que isso que aí está não é suficiente. Só que isso significa trabalho, muito trabalho. Coisa que muito pouca gente está disposta a enfrentar.

Elaine Tavares é jornalista

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Sociólogo cubano fala das mudanças em curso na Ilha Socialista


imagemCrédito: Cubadebate



O sociólogo cubano Aurelio Alonso afirma que as últimas libertações de presos na Ilha são um sinal de uma mudança de política mais flexível. E defende a ideia de que o socialismo deve se reinventar para os tempos atuais.

A entrevista é de Mercedes López San Miguel e está publicada no Página/12, 16-08-2010. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Como interpreta as solturas anunciadas por Cuba e que começou a levar a cabo com a mediação da Igreja?

Não são as primeiras libertações de presos políticos em Cuba. São presos contra-revolucionários aos quais se atribuem causas que vão além do pensamento: causas muito vinculadas a ações precisas. Quando o papa João Paulo II visitou o nosso país houve uma soltura importante por solicitação do Vaticano.

São momentos históricos diferentes...

Sim, mas o fato novo não é a libertação, mas que pela primeira vez se reconhece à Igreja um papel de mediador e a Igreja assume esse papel com uma motivação humanitária. O regime cubano foi, às vezes, muito duro quanto a admitir o critério de oposição. Penso que se isto for um sinal de que haverá uma mudança de política na direção de maiores flexibilidades é muito melhor.

Você os considera “presos políticos”?

Sim e não. Em Cuba há uma série de crimes que são definidos e demarcados em uma Constituição e também definidos por uma trajetória histórica. São cinquenta anos de uma política de cerco e de hostilidades dos Estados Unidos. Por exemplo, na visão das autoridades cubanas, a vinculação com a embaixada norte-americana é uma vinculação com o inimigo. Os Estados Unidos se definem como inimigo em relação conosco. São presos políticos e se definem como presos contrários ao regime. Eu não lembro que se tenha podido atribuir cumplicidade ou responsabilidade a Cuba em nenhum ato de terrorismo; no entanto, os Estados Unidos dão um tratamento preferencial a Posada Carriles, um conotado terrorista.

Há as Damas de Branco, também aqueles que se definem como jornalistas e conseguem o apoio de organizações de jornalistas no mundo e que os assinalam como presos de consciência. Como é a vida em Cuba em relação aos que criticam ou se opõem à revolução?

Penso que a política cubana e a filosofia sobre a qual esta se constrói têm que avançar para níveis maiores de tolerância das posições que se opõem e que pensam de maneira diferente. Me lembro de uma frase de Jean-Paul Sartre quando visitou Cuba: “Não me preocupo tanto com o fato de que os opositores não possam se pronunciar, mas com o fato de que os que são favoráveis não possam se pronunciar”.

Como foi fazer parte da experiência da revista Pensamiento Crítico?

Um grupo de jovens se dedicou ao estudo do marxismo nos anos 60. O leninismo como doutrina oficial do Partido Comunista soviético não correspondia com a produção de um pensamento à altura de nossas experiências revolucionárias.

Após a queda da União Soviética, vocês pensaram que o socialismo poderia cair em Cuba?

O grupo foi bastante coerente. Foram poucos os dissensos que se produziram tanto nos anos 70 como mais adiante, nos anos 80 e 90. Todos pensamos que a queda socialista coincidia com algumas de nossas inquietudes, não presumimos que tenhamos prognosticado o que iria acontecer, mas nossas inquietudes eram quanto ao caráter excessivamente escolástico do marxismo soviético implantado a partir dos anos 70 como doutrina oficial. Aí é que desaparece o pensamento crítico e nosso grupo. Não nos reprimiram, mas nos impuseram um limite para exercer o pensamento crítico. Tinha que ser um pensamento único.

E vocês já eram muito crítico da URSS.

Sim, nosso grupo, que se formou em um departamento de filosofia. Através da reflexão criticando a União Soviética. O Che criticou o modelo de modo mais integral por meio da prática e da política econômica. Não pudemos ter uma vinculação com o Che, porque este já estava envolvido no processo de saída, de dedicação às lutas guerrilheiras. Depois da desintegração do socialismo soviético, desse modelo, há um impacto muito forte no nível mundial nos países que pertenciam a esse sistema. No caso de Cuba é um impacto muito forte em muitos sentidos, em primeiro lugar, no econômico. Demonstrou-se que havíamos desenvolvido uma conexão que nos tornava mais dependentes. A partir de 1986, Cuba não pode honrar seus compromissos de dívida com os países credores ocidentais e se fecharam os créditos em divisas convertíveis, que implicavam 15% dos créditos e se paralisava 30% da economia. Isso fez com que a curva de crescimento cubana fizesse um planalto. A queda cubana começa com a queda do socialismo soviético; por conta disso, aumentou a dependência ineficiente. A capacidade importadora cubana no período 1991-1993 havia caído 80%. Esta queda também implica uma crise de paradigma. Qual é a hipótese do senso comum?

Que o socialismo fracassou.

Que fracassou no centro e que aqui não tem futuro. Há uma crise de paradigma e se suscita um debate sobre a questão de como salvá-lo.

Como se pode resgatá-lo?

É preciso reinventar o socialismo do século XXI. Primeiro, destaco que a solução para os problemas do mundo não passa por outro caminho que não seja o socialismo, o mundo do capital, não. Não pode ser um socialismo construído sobre os padrões do século XX. É preciso repensá-lo sobre a realidade que estamos vivendo. Retornar a Marx e estudá-lo criticamente. Mas Marx não nos dará a resposta a esta problemática, nem Lênin, nemFidel. A nova geração tem a obrigação de reagir diante dos desafios que a história coloca. Temos que viver o socialismo sobre uma base de reinvenção contínua, e estar dispostos a aplicar correções e experimentos.

Que diferença de liderança há entre os irmãos Castro?

Não há diferença ideológica, os dois são afins a um mesmo projeto de transformação revolucionária. A revolução cubana teve quatro figuras: Fidel,Raúl, o Che e Camilo Cienfuegos. Raúl talvez não tenha o gênio político de Fidel, mas é mais pragmático e mais administrativo. Raúl está disposto a avançar em um processo de reformas que flexibilize a estrutura da economia.

Raúl disse há pouco que o governo quer reduzir o emprego público e fomentar o trabalho por conta própria. Poderia haver mudanças substanciais na Ilha?

Houve muita reticência em avançar em um processo de reformas para um padrão de eficiência socialista. O padrão capitalista, pelo contrário, submete tudo ao lucro. Às vezes, há um excesso de prudência nos dirigentes cubanos.

Prudência naqueles que fizeram a revolução frente ao império? A prudência lhes veio com os anos?

Creio que sim. Dez anos me separam dos protagonistas. Teria que ter havido um processo mais seguro, mais confiável, mais sistemático de relevo geracional que não houve. Vemos que os mesmos líderes seguem governando e que continua se armando o aparelho sobre a base de uma presença muito forte da liderança dos anos 60.

Quando aparecem jovens, são afastados. O ex-chanceler Felipe Pérez Roque e o ex-vice-presidente Carlos Lage foram obrigados a renunciar no ano passado...

Essas decisões estiveram vinculadas a atos de corrupção ou enriquecimento indevido.

Cuba continua a ter problemas econômicos fundamentais. Por que não podem ser resolvidos?

A economia cubana tem um problema de desestruturação muito forte que é resultante da queda do campo socialista gerado pelo desamparo e o isolamento, combinado com as reformas que ao mesmo tempo geram correção e se superpõem com as anomalias. Tudo aquilo que possa não ser administrado pelo Estado tem que começar a encontrar as formas de outras estruturas. Vai-se rumo à racionalização de postos de trabalho na administração pública e à abertura de setores de pequenas e médias empresas, a formalizar tudo aquilo que não tem por que estar nas mãos do Estado. Isso vai contribuir para balancear o desemprego. Creio que é preciso avançar em processos mais efetivos de cooperativização. Propriedade familiar em alguns casos, cooperativas em outros.

No interior do país é preciso desenvolver as vias de uma propriedade comunitária local que também seja descentralizada e permita que os lucros fiquem e contribuam para o Estado com os impostos. Deveria se gerar um sistema de impostos com espírito socialista, conseguir que os que geram mais ingressos contribuam mais. O contrário do que acontece no capitalismo, onde o Estado costuma não tocar nos ricos para que se mantenham felizes e aperta os de baixo. Até que ponto Raúl tem um leque de soluções? Isso não sei. Até que ponto vai ter margem e tempo para aplicá-las? Também não sei.

Para um cidadão cubano, o quanto dá um salário para viver?

A economia cubana é muito sui generis, tem virtudes e irregularidades. Cria muitos amparos. O salário cubano significa muito pouco em termos monetários. Para ter uma alimentação básica existe uma cobertura, que diminuiu com as limitações produtivas. O cubano vive com 30 ou 40 dólares por mês, mas não tem que pagar nem se preocupar com a saúde e a educação; os serviços básicos como a água e o gás custam muito pouco. E penso que as gratuidades poderiam ser diferenciadas. E que alguns serviços, por exemplo, uma cirurgia estética como a implantação de mamas, poderia ser paga. O Estado criou um procedimento que é muito difícil de custear. Mas agora, dar marcha à ré é algo que a população não vai querer: não pagar a saúde ou a educação é visto como um direito inquestionável.

Por que não é possível ler meios alternativos de comunicação na Ilha?

Não estou de acordo em que não haja outras vozes, não é preciso ter medo do confronto. Deve-se poder defender as posições que se tem. Os cubanos se inteiram às vezes do que passa no país pela imprensa estrangeira. Mas os dirigentes não veem as coisas dessa maneira. É uma política que eu mudaria.

O que acha do socialismo do século XXI venezuelano?

São os dez primeiros anos em que Chávez faz um esforço para manter sob controle do Estado os setores empresariais, para afirmar um esquema de apoio popular para o sistema que está aplicando e para aplainar um caminho para uma possível sucessão. O projeto venezuelano está em uma fase inicial, não é exato, não se parece com outros, como os projetos que há na Bolívia e no Equador.

Tinha alguma expectativa com Barack Obama?

Obama é o mesmo em objetivos que Bush, com o agravante de que é inteligente e sagaz. A mudança latino-americana é progressiva em geral, para falar também da Argentina o kirchnerismo – mesmo que não seja a revolução bolivariana nem a revolução cidadã do Equador, mas é uma mudança positiva que se entronca. A Argentina se encheu de glória na cúpula de Mar del Plata quando Néstor Kirchner defendeu a posição de bloqueio à iniciativa norte-americana da ALCAcomo projeto continental. Os Estados Unidos trataram de buscar vias laterais, mas o obstáculo que os povos latino-americanos lhes impuseram não tem precedentes. Imagina o que seria agora enfrentar esta crise se os países tivessem entrado na ALCA. Estaríamos perdidos. Diante de toda esta mudança, a Administração Bush ficou de mãos atadas. E Obama chega à presidência e faz um acordo com a Colômbia para instalar sete bases militares. E deixa que se orquestre um golpe de Estado em Honduras. Nossos países têm que dar a volta por cima no momento em que Obama quer esconder ou dissimular sua posição e aproveitá-la.

Então, do seu ponto de vista, não há nenhuma possibilidade de que se levante o embargo.

Não. Se isso acontecer, seria porque há uma pressão que não se possa conter. Pode ser que lhe convenha suavizar alguns pontos do embargo. Também se Obama for pressionado dentro dos Estados Unidos. Há muitos norte-americanos que querem viajar a Cuba. Seria uma medida para melhorar sua imagem no país.

Por conta dos sinais que a Ilha deu com estas libertações de presos que mencionamos no começo, com a passagem por Havana do chanceler espanhol Miguel Angel Moratinos, poderia a Europa modificar sua posição comum?

A Espanha tem uma posição boa com Cuba dentro da comunidade europeia. A Europa teria que estar disposta a ocupar um protagonismo que lhe custa assumir frente aos Estados Unidos. Melhorar a relação com Cuba seria estar disposto a realizar um gesto de soberania europeia dentro do concerto das forças mundiais. Vamos pensar em voz alta: talvez se Obama fizesse algum gesto de flexibilização, a Europa tomaria esse caminho.

Fonte: IHU