domingo, 13 de janeiro de 2013

*HISTÓRIA, MODERNIDADE E RACISMO




**João Pedro Fernandes dos Santos

“Quando o jovem na FEBEM “toma o telhado de assalto”, eles estão querendo mostrar o que as pessoas não estão vendo embaixo destes telhados e atrás daqueles muros. Quando fazem isto, é apenas o reflexo do que é feito com eles Se não existe o mínimo respeito com o ser humano, ele perde totalmente a noção do que é respeito.”
Marcelo Buraco, Fundador da posse Negroatividade de S. André.

O povo brasileiro tem recebido uma avalanche de (des)informações sobre a redução de idade penal com justificativas de toda ordem, mas sem o debate necessário que o tema merece. A mídia hegemônica tem se desdobrado como porta-voz da elite brasileira, branca, racista e eurocentrista. As (des)informações que chegam a nossas casas têm como norma o esquecimento e/ou a negação da gênese da formação do povo e da sociedade brasileira.

Aqueles que reclamam do Estado uma solução rápida para os problemas da violência esquecem, com facilidade, que a história do Brasil é eivada de horror contra o povo. Foram 350 anos de escravidão e há um fosso de desigualdade social e racial que se alarga todo dia pela concentração de renda, poder, saber e justiça.

Dentre as propostas que visam reduzir a maioridade penal, temos a PEC 151/95, que tramita na Câmara dos Deputados. Para nós, é um atentado à vida e, principalmente, às crianças e aos adolescentes, pois pretende retirar da Constituição Federal a previsão de qualquer limite mínimo de idade para a responsabilidade penal.

Quando a criança e o adolescente tornam-se um problema, é sinal que a sociedade não está respondendo aos anseios desta parcela da população. Tomando ciência da argumentação do relator da proposta, deputado Alberto Fraga (PMDB-DF), é impossível não perceber o que os representantes das elites defendem, vejam a hipocrisia de tal argumentação: “a proposta é importante porque a modernização legislativa configura uma decorrência natural da modernização da sociedade brasileira”, é pura e simplesmente a negação histórica do Código Penal desde o Brasil – Colônia até nossos dias. E, cá para nós, o rebaixamento da idade penal nada tem a ver com necessidades modernas em nosso país.

Confesso que sou leigo, não tenho formação em Direito, mas o professor Nilo Batista tem sido um guia na minha compreensão sobre a história do Código Penal Brasileiro e, diante da insistência do tema, resolvi ir às fontes e fazer uma pequena pesquisa sobre o Direito Penal no que tange a idade mínima de responsabilidade penal no Brasil.

Vamos fazer juntos uma pequena digressão histórica sobre o tema. Já em 1603, o livro V das Ordenações Filipinas, no Titulo 135, fixava a idade de 17 anos para imputabilidade penal. Naquele tempo, no Brasil, a densidade demográfica, em sua maioria, era de indígenas e de africanos que começaram a chegar ao país em 1535/1550. Esta lei vigeu por mais de dois séculos. Com o advento da Independência, é promulgada a primeira Constituição Brasileira e, com ela, entra em vigor o Código Criminal do Império, em 1830, que reduz ainda mais o limite de idade, agora para 14 anos.

A luta intestina das elites contra e a favor da abolição e a sede pelo poder central, desembocam na “expulsão” da família real brasileira e na instauração da República, e este evento necessitava de um novo contrato jurídico e social. Embora nossa primeira Constituição Republicana inspirada na revolução burguesa da França, com ideais de igualdade, fraternidade e liberdade, traduz subjetivamente que somos iguais perante a lei, a ordem social que se instaura num país de pessoas agora “livres” necessitava de instrumentos de controle e coerção que realizassem a passagem sem ruptura do negro das senzalas (gênese dos campos de concentração) para os bolsões de exclusão.

E o Código Penal Republicano é este simbólico instrumento legal que autoriza, em 1890, a responsabilidade penal a partir dos tenros 9 anos de idade. Esta vigeu por mais de quatro décadas e, em 1932, com aprovação da Consolidação das Leis Penais, elevou-se o limite mínimo para 14 anos. Em 1940, quando o Estado Novo faz a reforma penal e aprova um novo Código Penal, estabelece a idade mínima de responsabilidade penal aos 18 anos. Esta idade limite permaneceu na Constituição Cidadã, promulgada em 1988, em seu artigo 228, e continua em vigor.

Como percebemos a redução da idade penal (ou como a PEC 151/95 deseja), não tem, objetivamente, qualquer critério modernizante ou de novidade, o que a constitui, em sua essência, é a negligência do estado brasileiro em resolver problemas estruturais de educação e de integração social e econômica da juventude.

Num tempo não muito distante, a juventude brasileira tinha como projeto apenas uma frase oca, opaca e que era mera ilusão e um embuste de quem estava no poder. Vale a pena lembrarmos a que mais ouvíamos: “Jovens, vós sois o futuro do Brasil”. Que futuro, sem um projeto sequer, tanto na esfera federal, estadual ou municipal? Desde quando qualquer governo esboçou um programa, um projeto viável de levar em conta a juventude brasileira, com o intuito de garantir realmente este futuro embutido em frases que não dizem nada? Enquanto isso, o Movimento Negro Brasileiro e seus aliados lutam por políticas publicas de inclusão social e racial, por ações afirmativas para o povo negro.

A defesa do ideário que leva em conta o rebaixamento da idade penal nada mais é que a idéia de inclusão perversa, a inclusão penal da juventude. Diante de fatos recentes, mergulhados num sentimento de ameaça antigo que acompanha o sono das elites, vamos mais uma vez arrastando nossas contradições para o futuro, com a escolha do sistema penal como o instrumento apto de intervir nessa realidade, com o viés centrado em práticas repressivas em detrimento das preventivas. É preciso ser dito: é uma opção clara pela morte, em detrimento da vida de milhares de jovens, deixando intactos os problemas centrais da segurança pública.

Com a legitimação deste ideário fascista, a do criminoso nato, já defendido nos trópicos por Nina Rodrigues e agora com clichê neo-positivista, que intenta, contra a essência histórica do homem, o da superação humana; e assim embretam a sociedade e a juventude brasileira, num processo dogmático pós-moderno e do pensamento único. Não tenho dúvida, portanto que a redução da idade penal é um risco muito grande pelos efeitos colaterais que provocará na sociedade brasileira. A retomada de leis que visam à redução da idade penal nada mais é do que novas formas de exclusão e de eliminação da juventude negra e da periferia.

O que desejamos é que o movimento negro brasileiro, os operadores do direito e juristas democratas não permaneçam passivos diante de mais uma afronta à cidadania da juventude e ao Estado Democrático de Direito.

* Este artigo é a síntese do pensamento de vários articulistas que defendem o não rebaixamento da idade penal em nosso país. É certo que ao lerem, terão a impressão, de já haverem lido nosso artigo em algum lugar, mas também é a reafirmação de minha manifestação contra o ideário fascista de culpar a juventude pela as mazelas que a sociedade brasileira está imersa. Principalmente a juventude negra e da periferia.

**Pedagogo e Coordenador do Centro de Cultura Afro-brasileira “Maria Terezinha Leal Andreia Santos

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