Wikileaks e os arquivos secretos da guerra afegã – 27/07/2010 Como uma ferramenta colaborativa da internet revelou o desastre militar que Washington tenta ocultar — e está perturbando poderes econômicos e políticos, ao tornar públicos seus segredos Centenas de civis afegãos foram mortos, entre 2004 e 2009, em operações de guerra jamais reveladas à opinião pública. Em muitos casos, motociclistas desarmados foram alvejados sumariamente, porque soldados norte-americanos julgaram tratar-se de homens-bomba. Há uma unidade militar encarregada de capturar ou assassinar supostos líderes do Talibã, sem julgamento. Cresce a cada dia o uso de aviões não-pilotados (teleguiados a partir a bartir de uma base em Nevada) para matar militantes talibãs. Porém, os Estados Unidos estão cada vez mais próximos de perder a guerra. Assim como quando lutava contra os soviéticos, o Talibã obteve mísseis terra-ar e os utiliza para ameaçar a coalizão liderada pelos EUA — algo também omitido à opinião pública até agora. O grupo fundamentalista intensificou a intensidade de seus bombardeios, que aterrorizam a população e já mataram mais de 2 mil civis. Este conjunto devastador de revelações, que se tornou público a partir do último domingo (25/7), não é obra da investigação de um grande jornal. Foi possível graças a uma ferramenta participativa de comunicação nova e pouco conhecida no Brasil: o Wikileaks (“furos colaborativos”, em tradução livre). Criado em 2007, instalado em servidores na Suécia e dirigido por Julian Assange, um jornalista australiano, o Wikileaks (a exemplo da Wikipedia) permite a qualquer pessoa publicar informação que julgue relevante. Mas não se destina a difusão de conhecimento enciclopédico. Seu foco é expor o que os poderosos querem manter em sigilo — mas as sociedades têm o direito de saber. Talvez por isso a ferramenta desafie as geometrias tradicionais da política. Apresenta-se como “fundada por dissidentes chineses, jornalistas, matemáticos e técnicos de empresas nascentes, nos Estados Unidos, Taiwan, Europa, Austrália e África do Sul.” Em seu Conselho Editorial estão, além do próprio Julian Assange, figuras como o jornalista e cineasta Philip Adams (produtor do legendário Corações e Mentes, a primeira grande denúncia midiática da guerra do Vietnã); os chineses Wang Dang e Wang Youkai (líderes dos protestos da Praça da Paz Celestial, em Beijing, 1989); o brasileiro Francisco Whitaker, um dos proponentes do Fórum Social Mundial. Na base da proposta, uma noção que Brecht traduziu em poema: O Wikileaks baseia-se numa noção sintetizada em poema por Bertolt Brecht: “O vosso tanque, general / é um carro-forte / derruba uma floresta / esmaga cem homens / mas tem um defeito / precisa de um condutor”. Ou seja: qualquer poder é exercido por meio de seres humanos — e estes podem refletir e se rebelar. A internet assegura a ampla difusão dos segredos e o Wikileaks cerca de garantias quem se dispõe a revelá-los. A identidade dos que publicam documentos é preservada por meio de um sistema de criptografia “de qualidade igual aos bancos”. Os registros (“logs”) das postagens e suas origens não são mantidos no sistema. As leis suecas de garantia de liberdade imprensa protegem a divulgação de sigilos, por isso os computadores não estão sujeitos a ataques judiciários ou policiais. Como proteção adicional, o Wikileaks sugere aos usuários utilizar o Tor, um software livre que permite navegar anonimamente na net. Também como a Wikipedia, o sistema funciona com uma equipe central reduzida — apenas cinco pessoas — e um grande corpo de voluntários. Oitocentas pessoas colaboram com a análise dos documentos postados. Há um princípio editorial básico: o Wikileaks publica apenas documentos que tenham “interesse político, histórico, diplomático ou ético”. Impede-se, com isso, a violação de intimidades. A natureza sigilosa dos documentos aceitos impede que se faça verificação definitiva de autenticidade. Por isso, a plataforma permite criar fóruns em que os próprios usuários avaliam o material publicado, aportando informações históricas e técnicas que ajudam a dirimir dúvidas. Em poucos anos de existência, o Wikileaks acumula feitos destacados. Em novembro de 2007, publicou um manual de procedimentos vigente na base militar norte-americana de Guantánamo. O documento continha orientações ilegais ou anti-humanitária, entre as quais a proibição do acesso da Cruz Vermelha a parte dos detentos. Em 2008, reproduziu parte hackeada da caixa de correio eletrônico da governadora Sarah Palin no Yahoo — indicando que ela usava uma conta pessoal para tratar assuntos de Estado que queria manter sob discreção. Em 2009, expôs o expôs o relato interno e sigiloso, produzido pela mineradora suíço-britânica Transfigura, de um vazamento de resíduos tóxicos na Costa do Marfim, que afetou 118 mil pessoas. Em abril de 2010, difundiu um vídeo indicando que 12 pessoas (inclusive dois repórteres da Reuters) haviam sido mortos num ataque realizado em Bagdá, a partir de um helicóptero norte-americano. Uma semana depois, o Google revelou: ”weakleaks” era o termo cuja procura mais tinha crescido no período, em sua rede mundial de servidores. A China tenta banir o site e é imitada no Ocidente. As quebras de sigilo assustam o poder — em diversos pontos do espectro político tradicional. No sistema chinês de controle da internet, “weakleaks” é termo vetado. Em março de 2009, a Autoridade Australiana sobre Comunicações e Mídia incluiu o site na lista dos endereços que serão banidos no país, caso sejam aprovadas leis para vigilância da rede. A relação apareceu graças ao próprio Wikileaks… À mesma época, foi invadida e revistada pela polícia, na Alemanha, a residência de Theodor Reppe, o cidadão que registrou o domínio do site no país (www.wikileaks.de). A tentativa de repressão pode estar destinada ao fracasso. Na China, o banimento é desafiado por sites-clones que surgem a todo momento. No Ocidente, o Wikileaks penetra no próprio território da mídia convencional, como demonstram as recentes revelações sobre o Afeganistão. Parte do material original – cerca de 90 mil relatos reservados de ocorrências e análises dos serviços de inteligência — foi reproduzido simultaneamente, também em 25 de julho, por três publicações internacionais relevantes — o New York Times, o diário londrinoThe Guardian e o semanário alemão Der Spiegel. Em mais um sinal do poder das redes colaborativas, Caia Fittipaldi, colaboradora de Outras Palavras e animadora da rede de tradutores Vila Vudu, traduziu o material do The Guardian, a mais crítica das três publicações. Outras Palavras vai reproduzi-lo a seguir, nos posts abaixo. |
sexta-feira, 30 de julho de 2010
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